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Projeto AES Brasil de Energy Intelligence

Resumo — Este artigo tem como objetivo uma visão de gerenciamento em meio a pandemia,  estudos realizados em blockchain para o setor elétrico, “Matching Engine” na compra e venda de energia referenciado na ANEEL através do Código 0064-1059/2019, registrado como “Plataforma para Operação de Balcão Organizado de Comercialização de Energia”, e, publicamente, Projeto AES Brasil de Energy Intelligence, realizado em conjunto pelas empresas Fohat Corporation e AES Brasil. Inicialmente são explanadas as formas utilizadas para gerenciar o projeto e o produto, que neste caso é uma plataforma digital. Na sequência, são apresentadas as tecnologias e funcionalidades desta plataforma, desde modelos de arquitetura até possibilidades de integração com outras plataformas digitais, além de aplicações com utilização de blockchain no setor de energia elétrica e os certificados de energia renovável. Por fim, são apresentadas as conclusões deste artigo que auxiliaram na construção da plataforma digital resultante deste projeto de P&D.

Palavras-chave – Métodos Híbridos. Framework SCRUM. Desenvolvimento de Software. Blockchain. Certificado de Energia Renovável.

I.  Introdução

No âmbito das disciplinas para gerenciamento de projetos e desenvolvimento de novos produtos, independentemente de sua complexidade ou custo financeiro, pode-se listar algumas das principais metodologias que permeiam os horizontes dos modelos cascata, como o PMBOK e o PRINCE2 e dos modelos ágeis, como o SCRUM e o Extreme Programming, conhecido também como Metodologia XP. Essas metodologias têm auxiliado empresas ao redor do mundo na missão de desenvolver projetos em diversos setores da indústria como a indústria softwares e games, automobilística, naval, aeroespacial dentre outras.

Desenvolver produtos não é o mesmo que desenvolver ou gerenciar projetos. Porém, é aceitável que os temas sejam comparados, pois há sinergia sob a ótica dos processos executados.

Em sua jornada contínua para fornecer energia ao mundo, o setor de energia enfrentou muitos desafios estruturais que foram enfrentados por meio da implantação eficaz de tecnologias inovadoras e revolucionárias. O cenário resultante na indústria é rico em tecnologia, mas se depara com um ecossistema transacional complexo e caro que pode se provar um terreno fértil para a introdução de tecnologias como o blockchain, que pode melhorar a visibilidade de informações, aumentar a eficiência operacional e agilizar processos burocráticos. Ao mesmo tempo, também permite que as empresas mantenham o controle sobre as informações confidenciais que lhes dão uma vantagem competitiva no mercado.

No desenvolvimento de software são inúmeros os desafios que arquitetos e desenvolvedores possuem a fim de atender aos requisitos que entregarão o valor esperado ao projeto através da solução tecnológica criada. Assim, o time de desenvolvimento, depois de entender os requisitos do produto, define a arquitetura, as tecnologias e linguagens que irão compor a solução a ser criada. Este processo é de crucial importância, pois são estes componentes tecnológicos responsáveis pelo bom desempenho e qualidade das funcionalidades do projeto, principalmente em relação à consistência e segurança das operações financeiras realizadas na plataforma.

Com isso, as metodologias híbridas são uma forma de juntar os dois mundos, mesclando características dos modelos ágeis com características dos modelos tradicionais [1]. É a combinação de ferramentas que reúne os aspectos positivos das duas visões, baseado em documentação e agilidade de desenvolvimento, a fim de obter os melhores resultados durante o planejamento, execução ou monitoramento dos projetos:

  • É preciso planejar, mas também entregar resultados em prazos cada vez menores;
  • É preciso sofisticar processos, mas também testar modelos mais simples;
  • É preciso administrar de acordo com o que está dando certo, mas experimentar as novas práticas;
  • É preciso sim ter uma documentação de projetos.

II.  Gerenciamento do Produto

Nas fases de Construção do produto, incrementos de software foram construídos utilizando sprints de 15 dias para desenvolvimento e 5 dias para testes internos e homologação. Em esforço paralelo, um gerente de projetos capacitado em métodos tradicionais de gestão de projetos, entregou em sprints mensais, os documentos de acompanhamento e gerenciamento do projeto.

O projeto P&D AES Brasil possui interfaces externas além do habitual entre Fohat Corporation e AES Brasil, e por isso, buscando uma gestão mais eficaz do projeto, além do gerente de projetos, um outro responsável (com título de gerente do produto) foi adicionado à equipe. Juntos, gerente de projeto e gerente de produto, passaram a trabalhar a interface de priorização de features e detalhamento contínuo de escopo junto a AES Brasil.

O desenvolvimento da plataforma Web é feito por um time multifuncional de desenvolvedores que utiliza como base para o desenvolvimento, linguagens de programação Python, Html, React, PostGree, dentre outras, e a rede de blockchain Energy Web Chain (EWChain), gerenciada pela Energy Web Foundation (EWF), e a rede de blockchain Corda Enterprise, gerenciada pela R3.

O projeto possui grande potencial e valor junto ao mercado de energia e a estratégia para disponibilizar a plataforma ao mercado está sendo construída em parceria com a empresa patrocinadora do projeto, AES Brasil, e outros grupos empresariais ligados ao mercado de Energia, visando fortalecer o ROI (do inglês, Return Of Investment) do projeto e fomentar através do modelo inovador utilizando a Blockchain Corda Enterprise (R3), um mercado de maior liquidez e segurança financeira a seus operadores.

Após ser introduzido no mercado brasileiro de Energia, a plataforma para Balcão de Comercialização de Energia Elétrica deverá ser evoluída e receberá novas features com escopo de projetos que estão desenvolvidos, de forma paralela, pela Fohat Corporation, em parceria com outras empresas do setor de energia. A gestão eficaz das várias interfaces de projetos desenvolvidos de forma paralela se torna possível através da construção de Squads, que é a forma como são representados grupos de trabalho que desenvolvem plataforma ou serviços de tecnologia específicos, e compartilham através dos chapters (capítulos de conhecimento). Esse modelo foi extraído da metodologia Ágil empregado pela companhia Spotify  os modelos de trabalho e desenvolvimento de software, possibilitando dessa forma que todos os projetos sejam integrados, agregando valor funcional para os clientes e patrocinadores de todos os projetos.

O Projeto AES Brasil de Energy Intelligence é classificado como desafiador, pois o mercado de energia no Brasil ainda não está complementarmente maduro. E, por esse motivo, desafios regulatórios são encontrados elevando o valor de utilização dos modelos Ágeis no desenvolvimento de software. Acredita-se que as soluções que estão em desenvolvimento nesse projeto, e nos demais citados com menos detalhes, farão parte de uma grande mudança a ser marcada na história do setor energético brasileiro.

 

III.  A Plataforma de Balcão Organizado de Comercialização de Energia

Uma plataforma de balcão de comercialização de energia trata-se de um ambiente digital para que vendedores e compradores negociem contratos de energia entre si (também chamada de Home Broker). Esse tipo de plataforma prove maior transparência de preços e velocidade na realização das operações de compra e venda para os participantes do mercado e, consequentemente, propicia uma maior liquidez na negociação de contratos de energia no Ambiente de Contratação Livre (ACL). O vendedor em um mercado de balcão de energia pode ser um gerador (que atue no ACL), comercializador de contratos de energia ou um consumidor livre que possua excedente de energia. O comprador, de igual modo, também pode ser um gerador, comercializador ou consumidor livre.

Espera-se que uma plataforma dessa natureza tenha confiabilidade e seja à prova de invasão, adulteração, ruptura e ou alteração de dados. No entanto, também há o risco de default, que uma plataforma como essa deve solucionar, ou seja, quando uma das partes do contrato bilateral não cumpre com o acordado. No mercado brasileiro de Energia, por exemplo, há o recente caso da comercializadora Vega Energy que, por não realizar apropriada gestão de risco de suas operações, deixou de honrar com cerca de R$ 200 milhões em contratos de venda de energia [4].

Esse risco de mercado poderia ser mitigado com a existência de uma câmara de compensação de contraparte central. Normalmente operada por uma instituição financeira, essa entidade realiza a compensação e a liquidação das transações realizadas entre compradores e vendedores, assegurando que os termos de uma negociação sejam cumpridos, mesmo se uma das partes perder sua capacidade de honrar o acordo.

Com isso, a câmara de compensação garante eficiência e estabilidade para o mercado, reduzindo o risco tanto o interpolado pela necessidade de confiança entre as contrapartes, como o da não liquidação financeira entre os agentes do mercado.

Por isso, a plataforma de negociação em desenvolvimento neste projeto P&D, além de utilizar tecnologias que garantirão o seu correto funcionamento, também estará conectada à uma câmara de compensação que visará mitigar os riscos anteriormente citados.

A.  Arquitetura de Software

Utilizou-se neste projeto P&D o padrão N-camadas (N-tier) de arquitetura de software, onde uma aplicação é dividida em camadas lógicas e camadas físicas.

As camadas são uma forma de separar responsabilidades e gerenciar dependências. Cada camada tem uma responsabilidade específica e uma camada superior pode usar serviços em uma camada inferior, mas não o contrário.

Na Figura 3, é possível visualizar a arquitetura desenvolvida da plataforma de balcão organizado de comercialização de energia, detalhada a seguir.

 

Figura 1. Arquitetura de software de N-camadas da plataforma de balcão organizado de comercialização de energia.

 

As camadas são fisicamente separadas, funcionando em máquinas separadas. Uma camada pode chamar a outra camada diretamente ou usar mensagens assíncronas (fila de mensagens). A separação física das camadas melhora a escalabilidade e a resiliência, mas também adiciona latência da comunicação de rede adicional, que terá o seu impacto mensurado através de ferramentas de monitoramento da aplicação como Sentry [5] e Zabbix [6].

B.  Computação em Nuvem

A computação em nuvem é, atualmente, a melhor forma de alocar recursos de computação para o desenvolvimento de projetos, tendo a melhor relação custo-benefício visando mais agilidade e escalabilidade.

Por isso, neste projeto foram utilizados recursos de computação em nuvem da Amazon Web Services, sendo este serviço responsável por prover a maior parte das soluções de computação necessários (servidores, armazenamento, bancos de dados, rede, software etc.) para o funcionamento da plataforma desenvolvida [7].

A nuvem oferece fácil acesso a uma grande variedade de tecnologias que permite a rápida implantação de serviços de tecnologia. Com esse tipo de arquitetura, não há necessidade de os recursos serem provisionados em excesso para absorver picos de carga futuros.

Em vez disso, a quantidade de recursos provisionados é elástica, ou seja, há sempre a possibilidade de aumentar ou diminuir instantaneamente a escala desses recursos para ajustar a capacidade de acordo com a necessidade. Ela também permite uma relação custo-benefício superior que a manutenção de uma infraestrutura tecnológica física própria, pois permite a troca de despesas fixas com datacenters, servidores físicos etc. por despesas variáveis, fazendo com que apenas recursos utilizados sob demanda, sejam cobrados.

Além disso, as despesas variáveis são menores do que seriam as despesas fixas devido às economias de escala dos serviços em nuvem.

C.  Matching Engine

Um mecanismo de correspondência – do inglês, matching engine – é o principal componente de software de uma plataforma de negociação, pois é ele o responsável por combinar lances e ofertas para concluir negociações ao mesmo preço. O algoritmo mais comumente utilizado é o algoritmo “preço-tempo e prioridade” – do inglês, Price-Time Priority – onde as ordens são classificadas, primeiramente pelo seu preço de oferta e, em seguida, de acordo com a data e hora da inserção na lista de ordens de cada produto [8].

No desenvolvimento da matching engine, além da aplicação monolítica utilizando o framework Django para salvar as ordens criadas através da interface de usuário, utilizou-se também a biblioteca Faust [9] – que consome as mensagens publicadas em tópicos no Apache Kafka – para então realizar o processamento do algoritmo de correspondência de ordens do mercado do balcão de energia.

Nas fases iniciais do projeto, foi-se utilizado a biblioteca Celery [10], em conjunto com o servidor de mensageria RabbitMQ [11]. No entanto, foram identificados erros que levaram à conclusão de que essa não seria a melhor abordagem para atender aos requisitos para o funcionamento desse serviço, pois constatou-se que o RabbitMQ não entregou as mensagens em ordem de criação aos serviços consumidores. Já com o Apache Kafka, foi possível assegurar a ordenação da entrega de mensagens aos consumidores, fazendo com que o algoritmo implementado pelo time de desenvolvimento funcionasse corretamente.

D.  Funcionalidades

O desenvolvimento da plataforma Home Broker traz consigo diferenciais tecnológicos e funcionais, capazes de promover uma nova perspectiva de operação no mercado de energia. O principal fator tecnológico e funcional que a torna diferente de todas as outras plataformas disponíveis no Brasil para operação de compra e venda de energia, trata-se da integração que o Home Broker possui com outra plataforma chamada na Fohat de Turing, que possibilita o mercado de energia e as instituições financeiras, interagirem em uma rede DLT – Distributed Ledger Technology, para troca de informações privadas em tempo real sem a necessidade de integração e recuperação de dados em Banco de Dados local ou privado.

Esse modelo de tratamento de dados em rede DLT possibilita que o mercado passe a operar a compra e venda de energia, utilizando o modelo mundialmente conhecido como Central Counterparty, ou Contraparte Central e, através desse modelo, a gestão de risco financeiro do mercado fica sob a responsabilidade de uma entidade financeira habilitada pela regulação do Bacen do Brasil.

Por ser uma plataforma Web com acesso em diferentes navegadores, foi possível implementar recursos modulares que podem ser acessados por uma ou todas as empresas, tudo dependerá do perfil operacional da empresa na junto a Fohat e ou a administradora de mercado.

Dentre todas as funcionalidades que a plataforma Home Broker para Balcão Organizado tem, vamos listar algumas que são diferenciais competitivos de mercado e características para um mercado de trading mais líquido e seguro.

  1. Match de ordem em nível multilateral. A plataforma Home Broker, quando integrada a plataforma (“Turing”), que controla as garantias financeiras entre os operadores (“Margem de Operação”), possibilita que uma ordem de compra ou venda de energia, esteja habilitada para qualquer outra empresa conectada ao Home Broker, ou seja, uma ordem disponível no Book de Ordens, pode ser atendida por qualquer participante. Chamamos esse processo de “Tela Cega, pois os participantes somente conheceram sua contraparte após o pronto efetivo da formalização contratual. Esse modelo traz inúmeros benefícios como liquidez, por mais negócios podem ser gerados, segurança, porque todos os players sabem que uma contraparte atestará a liquidação financeira daquele contrato e transparência de preços porque no mercado líquido e seguro as partes estão preocupadas em executar suas estratégias e se torna muito mais complexo e arriscado a tentativa de manipulação de preços.
  2. A plataforma Home Broker também possui tipos de ordem seguindo o padrão de trading para Bolsa de Valores. Uma empresa pode inserir ordens naturais que, apresentam de forma aberta e objetiva todo o volume ofertado pela empresa e dessa forma, o mercado toma conhecimento, na íntegra, da intenção de oferta de um ou vários playres para um produto e valor em questão. Também há como possibilidade o envio de uma ordem “Tudo ou Nada”, que, na íntegra, informa ao mercado que determinado participante somente aceita vender ou comprar todo o conteúdo disponível no lote ofertado. Para empresas mais estrategistas, a plataforma permite a inserção da ordem “Iceberg”. Na ordem Iceberg a empresa informa quanto do volume exposto na ordem de compra ou venda, deve permanecer aberto para visualização dos demais players de mercado. A ordem Iceberg permite que os participantes com grandes volumes de energia possam operar esses volumes de forma transparente, sem expor sua estratégia de posicionamento ou de exposição energético.
  • Relatórios para Pós Trading. Para empresas que precisam ajustar a estratégia de operação para as mesas de energia com vários traders, a plataforma Home Broker permite que todos possam, de forma online, acompanhar os trades realizados independente de terem sidos formalizados por um robô ou por uma pessoa, paralelamente à extração de dados do mercado ou atualização das regras operacionais da instituição. Todos os relatórios podem, ainda, serem extraídos para um arquivo Excel ou integrados de forma automatizada em sistemas legado, ERPs ou de Gestão de Dados, via APIs.
  1. Integração multi-plataformas via APIs. O Home Broker está diretamente ligado a outras plataformas da Fohat através de um barramento de APIs e, esse barramento, quando devidamente autorizado, permite que os participantes possam conectar seus sistemas legado diretamente à plataforma Home Broker para enviar ou retirar ordens, consumir dados de mercado, abaixar contratos assinados e atualizar estratégia de compra e venda de energia.
  2. Integração com parceiros de mercado. A plataforma Home Broker, através do modulo Terminal Broker, possui integrações com vários parceiros de negócio a saber: BBCE, CCEE, DCIDE e outros. Por causa dessas integrações, o participante não precisará contratar outras plataformas para gerenciar BackOffice, mesa de risco, financeiro e jurídico porque tudo pode ser realizado diretamente na plataforma Terminal Broker, que é um módulo conectado a plataforma Home Broker.

A plataforma Home Broker foi complemente preparada para ser capaz de processar ordens de compra e venda de energia, formalização bilateral de contratos com ou sem garantias associadas, processamento de venda e compra de I-RECs e automações de compra e venda de energia pelo módulo de VPP (Virtual Power Plant ou Usinas Virtuais).

Todos os recursos são acessados de forma logada, em comunicação criptografada SSL com utilização de senha configurada com o mesmo padrão recomendado pelo Roteiro Básico de Qualificação Operacional BMF&Bovespa – PQO e, contrassenha de confirmação para inserção, atualização e exclusão de ordens, assinatura de contratos e gestão de usuários da plataforma.

 

IV.  A Blockchain da Energia

Blockchain é uma tecnologia de rede P2P (peer-to-peer) que usa técnicas avançadas de ciência da computação para permitir interações confiáveis e eficientes entre as partes, mesmo que não haja uma confiança mútua e total entre elas. Em suma, é um livro-razão eletrônico compartilhado que pode ser acessado e gerenciado por várias partes, de forma extremamente segura e imutável (ou seja, os dados de entrada não podem ser modificados após o seu registro).

Como exemplo de casos de uso dessa tecnologia pode-se citar o monitoramento da cadeia de abastecimento, sistemas de votação digital, de gestão de ativos, a proteção de direitos autorais, verificação de certificados, a manutenção de registros médicos etc. Um dos principais benefícios na utilização de tecnologias blockchain é de fornecer um sistema confiável e eficiente para executar e registrar transações (e para rastrear propriedade conforme os ativos mudam de mãos antes da liquidação). Com o blockchain, as transações podem ser gravadas e resolvidas quase que instantaneamente, sem a necessidade de um intermediário e com pouca ou nenhuma necessidade de reconciliação, uma vez que todos as partes estão usando a mesma plataforma e têm acesso aos mesmos dados.

Além disso, algumas plataformas blockchain – como é o exemplo da Energy Web – as transações podem incluir um código executável, escrito utilizando linguagens de programação (Solidity, por exemplo), e que refletem os termos de um contrato criando um contrato inteligente – do inglês, smart contract – que valida automaticamente as transações sem a necessidade de intervenção humana [12].

No setor elétrico, estas características aceleram o desenvolvimento de soluções de resposta à demanda, de comércio de energia e de compensação de carbono, pós liquidação de contratos, mobilidade elétrica e de certificação de energia renovável.

 

A.  Energy Web

A Energy Web (EW) é uma organização global sem fins lucrativos que acelera um sistema elétrico de baixo carbono e centrado no cliente, liberando o potencial de tecnologias descentralizadas de código aberto [13].

Foi cofundada em 2017 pelo Rocky Mountain Institute (RMI), Grid Singularity (GSy) e cerca de uma dúzia de empresas de energia apoiadoras em todo o mundo.

A EW se concentra na construção de uma infraestrutura central de tecnologias compartilhadas e no desenvolvimento de ferramentas e utilitários de software que garantirão que a energia distribuída e fontes renováveis possam ser administradas de forma descentralizada por operadores de rede, participantes do mercado e usuários finais, que acelerarão a adoção de soluções comerciais.

A EW é uma das únicas plataformas blockchain públicas em todo o mundo cujos nós validadores são administrados por empresas conhecidas, muitas delas algumas das maiores e mais respeitadas empresas de energia globalmente. Também é o maior ecossistema do setor de energia do mundo – compreendendo concessionárias, operadoras de rede, desenvolvedores de energia renovável, compradores corporativos de energia e outros – com foco em tecnologias digitais descentralizadas de código aberto. Desde 2017, o número de empresas afiliadas à EW passou de 12, para mais de 100 em 2021, incluindo empresas como Shell, Engie, E.ON, Duke Energy, Exelon, PTT e SP Group.

O grupo de empresas afiliadas à Energy Web também têm acesso a pesquisas e análises, convites para fóruns e convenções, oportunidades de participar de grupos de trabalho e na definição dos próximos passos no desenvolvimento de soluções para a rede.

 

B.  Energy Web Chain

Em 2019, a EWF lançou a Energy Web Chain, a primeira plataforma de blockchain de nível comercial do mundo especificamente adaptada para o setor global de energia. Trata-se de uma rede blockchain pública, escalável e de código aberto de prova de autoridade (PoA) suportado por validadores que compreendem um grupo autorizado de grandes empresas do setor de energia. Dessa forma, a EW também desenvolveu o maior ecossistema do setor de energia do mundo – compreendendo concessionárias, operadoras de rede, desenvolvedores de energia renovável, compradores corporativos de energia e outros.

Esta plataforma serve como uma infraestrutura digital básica e compartilhada para que a comunidade de energia construa e execute suas soluções descentralizadas baseadas em blockchain (dApps – Decentralized applications). Juntos, a Energy Web, os afiliados e a comunidade estão desenvolvendo o potencial da tecnologia blockchain para acelerar a transição para um sistema de energia descentralizado, democratizado, descarbonizado e resiliente.

No ecossistema de aplicações da EW, foram desenvolvidos projetos que atendam às necessidades regulatórias, operacionais e de mercado exclusivas do setor de energia. Por exemplo, a rede pública baseada em Prova de Autoridade somente com validadores autorizados permite o consumo de energia enxuta para a rede, melhora a velocidade geral, escalabilidade e promove a aceitação entre reguladores e legisladores.

Além disso, a família de kits de ferramentas de desenvolvimento de software de código aberto torna mais fácil e rápido que as empresas adotem e implantem soluções para o mercado de energia utilizando as tecnologias blockchain da Energy Web.

 

C.  Consenso de Prova de Autoridade

Para estabelecer um consenso sobre o estado atual e o histórico das transações, as redes de testes e a Energy Web Chain (EWC) usam atualmente o algoritmo de consenso Aura de Prova de Autoridade (Proof-of-Authority – PoA). Nesse modelo de consenso de PoA, apenas um grupo definido de nós, chamados de validadores, têm permissão para validar transações e criar blocos [14].

Todos os nós validadores mantêm uma lista completa dos validadores, identificados por chaves públicas. Esta lista muda conforme os validadores são adicionados ou removidos na rede. Além de armazenar o estado atual e histórico da rede, todos os validadores mantêm informações essenciais sobre a rede (como informações de tempo sincronizado e limites de processamento de dados).

Um validador é designado a cada 5 segundos como validador primário por meio do algoritmo PoA, responsável por coletar as transações transmitidas e propor a criação de um novo bloco. Apenas um validador é designado como primário por vez – com base em um cálculo derivado da data e hora em relógios sincronizados entre os nós validadores na rede e o número de validadores – a fim de evitar que os validadores criem blocos arbitrariamente em intervalos irregulares.

Se um validador falhar ao criar um bloco quando for selecionado (por exemplo, devido a problemas de hardware) ou seu bloco não for validado pelo grupo de nós validadores (por exemplo, devido a problemas de conectividade de rede), o próximo validador continua a criar um bloco com todas as transações que não foram processadas.

Os nós validadores restantes verificam se as transações em cada bloco são legítimas, assinam o bloco com suas chaves privadas e propagam o bloco assinado para a rede. Uma vez que a maioria simples dos validadores tenha criado um bloco no topo de um determinado bloco assinado, este novo bloco é confirmado e adicionado à cadeia de blocos da rede.

Este mecanismo de Prova de Autoridade (PoA) foi escolhido por três razões principais:

  • Para habilitar a capacidade de transações de milhares ao invés de centenas de transações por segundo. A Energy Web Chain tem a capacidade de atingir uma capacidade de processamento 30 vezes maior do que a rede principal da Ethereum, uma das principais redes blockchain do mercado que executa o mecanismo de consenso de prova de trabalho (Proof-of-Work – PoA);
  • Para minimizar o consumo de recursos (eletricidade e computação) e, consequentemente, os custos de transação: eliminar a prova de trabalho (Proof-of-Work – PoA) competitiva resulta em 54.000 vezes menos consumo de energia e 350 vezes menos custos de rede (ou seja, custos incorridos por organizações que hospedam nós validadores), o que se traduz em custos de transação menores e mais estáveis;
  • Para melhorar a conformidade com os regulamentos e requisitos de negócios no setor de energia: substituir mineradores totalmente anônimos por validadores com autoridade no segmento aumenta a capacidade de aplicações descentralizadas para cumprir vários regulamentos, incluindo regulamentos de proteção de dados como GDPR e LGPD, aumentando a probabilidade de adoção por parte de usuários e empresas.

V.  Certificados de Energia Renovável

Em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) decidiu adotar 17 pontos para o desenvolvimento sustentável. Todos os países-membros acordaram em trabalhar nessas metas para que, até 2030, elas sejam atingidas em sua totalidade [15].

Dentre esses pontos, o número 7 trata especificamente da questão energética – com a meta de que todos tenham energia acessível, confiável, sustentável e moderna [16]. Essa meta possui 5 alvos e 6 indicadores. O alvo 7.2, conforme especificado pela ONU, cita que os países devem “até 2030, aumentar substancialmente a parcela de energia renovável na matriz energética global”, medido pelo indicador “parcela renovável da energia final consumida”.

Esse compromisso foi reafirmado no chamado “Acordo de Paris”, ratificado em 2016, quando as nações signatárias se comprometeram em assegurar que a temperatura média global tenha um aumento menor que 2°C em relação a níveis pré-industriais, além de estabelecer a obrigatoriedade do registro das emissões por parte dos países, além de abrir portas para o comércio de carbono entre nações [17].

Para conseguir resolver essa questão, foi criado o I-REC (International Renewable Energy Certificate), que se trata de um certificado de energia renovável internacional. Cada MWh gerado por uma fonte renovável certificada dá direito à geração de um certificado que corresponde a 1 MWh de energia limpa. Desse modo, um gerador possui dois ativos: a energia elétrica gerada e o respectivo certificado correspondente a mesma. Contudo, para que um consumidor de energia possa contabilizar a energia limpa em seu relatório de sustentabilidade, por exemplo, ele deve possuir a quantidade necessária de certificados de origem para cobrir o seu consumo. É justamente isso que materializa o processo de compensação, isto é, não importa a origem da energia consumida por esse consumidor, conquanto que ele o compense com a aquisição de certificados de origem.

A compra de certificados pode ser, também, realizada de maneira voluntária, sem necessariamente ter relação com metas de sustentabilidade ou obrigações legais, por exemplo.

O I-REC Standard Foundation, organização baseada na Holanda, é o responsável global pela Emissão e Aposentadoria (consumo) dos I-RECs. Dentre os países do mundo que participam do padrão I-REC, pode-se citar a China, o Brasil, a Índia e o México. Os Estados Unidos e a União Europeia, por sua vez, possuem cada qual a sua própria certificação, REC e GO, respectivamente.

Na Figura 4, pode-se visualizar quatro diferentes tipos de Certificados de Atributos de Energia (EAC, sigla em inglês), entres os quais se encontra o I-REC.

 

Figura 2. Certificados de Atributos de Energia pelo mundo.

 

Falando-se de Brasil, o mercado de certificados de energia renovável vem passando por um crescimento rápido nos últimos anos. A começar por temos por aqui, duas certificações: o REC Brazil e o I-REC.

O REC Brazil é o nome de uma certificação que atende outros critérios de sustentabilidade, além dos definidos pela certificação da I-REC Standard Foundation, que chegou depois. Para uma usina ser elegível a emitir certificados com o selo REC Brazil, por exemplo, ela deve atender no mínimo 5 dos 17 objetivos sustentáveis da ONU [18].

Já o Instituto Totum [19] – emissor do I-REC para o Brasil – informa que o país registrou 244 MWh emitidos em 2014, aumentando em 55 vezes a quantidade em 2015 (13.463 MWh), seguido de um aumento de 338.000 MWh em 2018. Nos dois anos seguintes houve grandes saltos na emissão, atingindo-se a marca de 2.500.000, em 2019, e 4.032.294, em 2020. Observa-se que, em 2020, 32,5% dos I-RECs emitidos tinham também a chancela REC Brazil.

O número de usinas capacitadas para a emissão de I-RECs também vem crescendo, saindo de 4, em 2015, para 152 usinas em 2020 [19]. Atualmente, a carga instalada capaz de emitir I-RECs no Brasil é de 12.409MW [19]. Em termos de comercialização, existem 19 empresas registradas como participantes no sistema I-REC, habilitadas a transacionar os certificados.

Atualmente, o comércio de I-RECs vem sendo realizado sob demanda, com o processo de emissão sendo realizado apenas quando já há um comprador interessado. Esse foi o caso do Bradesco, que comprou 1,4 milhão de certificados de energia renovável da AES Brasil em novembro de 2020, para zerar as suas emissões anuais [20].

 

VI.  Conclusões

A cada dia surgem novidades que geram impacto na maneira como as empresas trabalham. Somam-se a esse cenário, as inovações tecnológicas, mudanças no comportamento do consumidor, velocidade da informação, avanço da concorrência, impacto da transformação digital, um mundo com menos fronteiras comerciais, além dos desafios que a pandemia de Covid-19 trouxe não apenas para o gerenciamento de projetos, mas também para a sociedade como um todo.

O futuro da eletricidade está em soluções centradas no cliente e de baixo carbono. Isso significa energia renovável (especialmente solar e eólica) e investimento em tecnologias de “ponta da rede” localizadas no cliente, como energia solar fotovoltaica de telhado, veículos elétricos e termostatos inteligentes.

Para alcançar a adoção massiva de tecnologias descentralizadas, o setor de energia requer ferramentas de nível empresarial que simplificam a experiência do usuário final e o desenvolvimento e implantação de aplicativos, e a blockchain surge como solução tecnológica que atende esta demanda.

O desenvolvimento de uma plataforma para negociação de contratos de energia não se mostra uma tarefa simples, tendo em vista as várias tecnologias envolvidas nesse projeto para fornecer uma solução robusta e segura ao mercado. Um desafio particular dele também foi o de criar uma arquitetura de software capaz de receber ordens de negociação e realizar a execução de negócios de forma assíncrona, em tempo real e de uma forma justa para todos os participantes da plataforma.

Soma-se a isso a utilização das melhores práticas de desenvolvimento e arquitetura de software utilizando-se computação em nuvem e técnicas de agilidade que dão à equipe do projeto os recursos necessários para planejar, executar e revisar as funcionalidades desenvolvidas.

É satisfatório ver a plataforma de negociação em funcionamento, tendo a certeza de que o resultado deste projeto P&D ANEEL possibilitará oportunidades de negócios para todos os participantes do Mercado Livre de Energia com mais segurança e confiabilidade.

 

Agradecimentos

À AES Brasil pela confiança na Fohat Corporation e à sua equipe de inovação, representada por Julia Rodrigues, que contribui atuando como grandes conhecedores do mercado de energia, profissionais com histórico de relevante contribuição ao mercado de energia e ao mercado de tecnologia. Aos colaboradores da Fohat Corporation, pela grande contribuição na escrita, revisão e publicação deste artigo.

 

Referências

 

  • Gil Espinha, R. Entenda o que é metodologia híbrida de gestão de projetos. [Online]. Disponível em: <https://artia.com/blog/metodologia-hibrida-de-gestao-de-projetos/>.
  • Metodologias Híbridas: Vantagens para gestão de projetos. 2020. [Online]. Disponível em: <https://www.sankhya.com.br/blog/metodologias-hibridas-vantagens-para-gestao-de-projetos/>.
  • Alves, L. O que é PMBOK: aprenda com um exemplo prático de gestão de projetos. [Online]. Disponível em: <https://take.net/blog/chatbots/o-que-e-pmbok>.
  • VALOR ECONÔMICO. Energia: Vega não honra R$ 200 milhões em contratos após alta de preço. Disponível em: <https://valor.globo.com/empresas/noticia/2019/02/01/energia-vega-nao-honra-r-200-milhoes-em-contratos-apos-alta-de-preco.ghtml/>. Acesso em 16 de dez. de 2020.
  • Application Monitoring and Error Tracking Software. Disponível em: <https://sentry.io/>. Acesso em: 16 de dez. de 2020.
  • The Enterprise-Class Open Source Network Monitoring Solution. Disponível em: <https://www.zabbix.com/>. Acesso em: 16 de dez. de 2020.
  • AMAZON WEB SERVICES. Serviços de Computação em Nuvem. Disponível em: <https://aws.amazon.com/pt/>. Acesso em: 11 de jan. de 2021.
  • Matching Orders Definition. Disponível em: < https://www.investopedia.com/terms/m/matchingorders.asp>. Acesso em: 16 de dez. de 2020.
  • FAUST DOCUMENTATION. Disponível em: < https://faust.readthedocs.io/>. Acesso em: 16 de dez. de 2020.
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  • Messaging that just works. Disponível em: <https://www.rabbitmq.com/>. Acesso em: 16 de dez. de 2020.
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  • Measuring progress towards the Sustainable Development Goals. [Online]. Disponível em: <https://sdg-tracker.org/>.
  • Goal 7: Affordable and Clean Energy [Online]. Disponível em: <https://sdg-tracker.org/energy>.
  • Acordo de Paris [Online]. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/normas-e-legislacao/tratados/convencoes-meio-ambiente/acordo-de-paris.pdf/view>.
  • Certificações [Online]. Disponível em: <https://www.recbrazil.com.br/certificacoes.html>.
  • Programa Brasileiro de Certificação de Energia Renovável. Newsletter 21, janeiro 2021 [Online]. Disponível em: <https://www.institutototum.com.br/images/Newsletter/Newsletter_021.pdf>.
  • Valor Econômico – Finanças. Bradesco compra certificados de energia renovável da AES Tietê. [Online]. Disponível em: <https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/11/26/bradesco-compra-certificados-de-energia-renovavel-da-aes-tiete.ghtml>.

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